Os noventa dias haviam chegado ao final. A nova divisão
criada com a chegada de Lucas consumira mais recursos do que gerara resultados.
Uma campanha inovadora e muito cara ficara no ar por 45 dias e as vendas tinham
sido pífias.
Durante 90 dias, Lucas praticamente esqueceu que tinha uma
família. E isso ocorreu justamente no momento em que sua esposa mais precisava
dele, pois estava ao final da sua primeira gravidez. Lucas iria ter um filho,
que se chamaria Pedro. Mas ele praticamente não viu passar aquele período,
apesar das inúmeras vezes em que Patrícia o havia lembrado.
Lucas herdou uma equipe que já existia, contratou mais
algumas pessoas e colocou todos voltados para a meta de criar uma nova e
lucrativa unidade de negócios. Ele começou a trabalhar como se fosse um trator.
Como se o voluntarismo pudesse prescindir da inteligência e estratégia. E sua
equipe começou a adoecer. Um após o outro. O que o fez se encher de fúria.
Os diretores das outras unidades de negócio foram esquecidos
na forma como Lucas arquitetou sua empreitada. Ele acreditava que poderia
atingir seus objetivos por meio de arrojo e muita coragem. Qualidades que
sempre o acompanharam e que talvez expliquem porque ele nunca havia ficado muito
tempo em emprego algum. Possuidor de um currículo de respeito, formação
acadêmica espetacular, mas poucos resultados concretos a demonstrar.
O professor Joel Dutra sempre enfatiza em suas aulas na
Universidade de São Paulo: competência significa a capacidade de fazer entregas
de alto valor e não apenas possuir um estoque de experiências e qualificações.
É a partir de uma boa entrega que os bons executivos são conhecidos. Uma boa entrega
deve ser perene, agregadora e atingir positivamente até mesmo aquelas pessoas
que não irão comprar o produto.
Lucas havia falhado em todos os requisitos de uma boa
entrega. Equipe perdida, resistências internas dos seus pares, muito dinheiro
gasto sem uma metodologia confiável para avaliar os resultados. Tudo isso ele
conseguiria suportar, mas ao receber um recado de Patrícia, pelo whatsapp, no
qual ela dizia que achava melhor se mudar para a casa dos pais dela para poder
ter algum apoio no final da sua gravidez, isso representou o ponto crítico para
Lucas. Então ele tombou. Sim, desmaiou na sua mesa de trabalho, para o espanto
de todos a sua volta.
Quando Lucas acordou no pronto socorro de um hospital perto
do seu trabalho reconheceu as duas pessoas que estavam com ele na sala de
recuperação: Cesar, o rapaz do RH da empresa que o acompanhou na ambulância e Orlando,
um dos únicos executivos que gostavam de Lucas e que se predispôs a
acompanhá-lo também.
Orlando era uma pessoa interessante. Trabalhava há muitos
anos na empresa e era visto como uma pessoa serena e ponderada. Muito
respeitado por todos e sempre pronto para ajudar no que fosse preciso. Poucos
sabiam, mas Orlando tinha uma sólida formação acadêmica, tendo estudado
Filosofia, Psicologia e Teologia, pois pretendia ingressar na Ordem
Franciscana, fato que acabou não ocorrendo.
Lucas indagou: “O que
aconteceu?”
“Você surtou”,
respondeu Orlando com um leve sorriso na voz.
“Minha esposa saiu de
casa. Nosso filho vai nascer em alguns dias”, tentou explicar, Lucas.
“Puxa, você não está
acertando uma, não é, Lucas? Onde você pensa que vai chegar assim, de forma tão
estúpida?”, disse Orlando com um tom formal.
O sangue de Lucas esquentou novamente. Quem era aquele
executivo acomodado e de meia idade para falar assim com ele? Chamar de
estúpido alguém que sempre foi um líder nato e comandou importantes startups?
Quando ele ia responder, Orlando continuou.
“Seus diplomas e
currículo não dizem quem você realmente é, Lucas. Por mais que pense que o
mundo corporativo é um campo de batalha, onde somente os melhores sobrevivem,
precisa saber que muitas pessoas podem não conseguir chegar ao topo, mas
certamente, podem derrubá-lo de lá.”
“Você me lembra um animal desgovernado, correndo no pasto”,
continuou Orlando. “Muita coragem,
energia e quase nenhuma inteligência. E quando eu digo inteligência não estou
falando da sua erudição, e sim, da capacidade de entender o que move as pessoas
e as armadilhas que elas colocam no seu caminho. Sem essa capacidade, você é
apenas mais uma besta desgovernada, como muitas que estão por toda parte nas
empresas”.
O orgulho de Lucas estava ferido de forma profunda. Talvez
se ele tive conhecido o Eneagrama, um instrumento de autoconhecimento bastante
difundido nas organizações, entenderia que um Tipo 3, como ele, possui muita
dificuldade para aceitar o fracasso e que ao seguir o caminho do Tipo 6,
poderia encontrar algumas repostas para sua jornada.
Orlando prosseguiu. “Você
precisa ser educado, Lucas. Mas não aquela educação babaca dos MBAs, que forma
executivos, como você, a cada dia. Busque a educação que cura e constrói caminhos
duradouros. Aquela que permite um momento visionário e que é fundamental
para dar liga naquilo que possui um significado maior para a vida das pessoas”.
Lucas não resistiu. “Você
vai me indicar algum livro de autoajuda?”, disse ele com sarcasmo.
“Não, meu amigo. Mas
para começar, sugiro que leia este livro aqui, pois ele foi muito útil quando
um câncer quase acabou com a minha vida”. Orlando sacou da sua pasta uma
brochura com capa avermelhada.
“Leia e depois conversaremos. Quem sabe a dor que você está sentindo
agora pode representar o Ponto de Mutação em sua vida”. Orlando colocou o
livro no armário ao lado da cama de Lucas e foi embora juntamente com Cesar,
que tinha ouvido aqueles diálogos com muita atenção.
Lucas sentia que tinha muito a refletir e pessoas queridas a
recuperar. Estava curioso para saber o que aquela simplória brochura
avermelhada podia transmitir de tão importante para ele.
Mais uma vez, o livro de Angeles Arrien tinha sido escolhido para ajudar outra alma aflita: O Caminho Quádruplo.
Adorei!! Parabéns Fabio!
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