domingo, 24 de abril de 2016

Dor: ponto de mutação da Liderança Educadora



Os noventa dias haviam chegado ao final. A nova divisão criada com a chegada de Lucas consumira mais recursos do que gerara resultados. Uma campanha inovadora e muito cara ficara no ar por 45 dias e as vendas tinham sido pífias.

Durante 90 dias, Lucas praticamente esqueceu que tinha uma família. E isso ocorreu justamente no momento em que sua esposa mais precisava dele, pois estava ao final da sua primeira gravidez. Lucas iria ter um filho, que se chamaria Pedro. Mas ele praticamente não viu passar aquele período, apesar das inúmeras vezes em que Patrícia o havia lembrado.

Lucas herdou uma equipe que já existia, contratou mais algumas pessoas e colocou todos voltados para a meta de criar uma nova e lucrativa unidade de negócios. Ele começou a trabalhar como se fosse um trator. Como se o voluntarismo pudesse prescindir da inteligência e estratégia. E sua equipe começou a adoecer. Um após o outro. O que o fez se encher de fúria.

Os diretores das outras unidades de negócio foram esquecidos na forma como Lucas arquitetou sua empreitada. Ele acreditava que poderia atingir seus objetivos por meio de arrojo e muita coragem. Qualidades que sempre o acompanharam e que talvez expliquem porque ele nunca havia ficado muito tempo em emprego algum. Possuidor de um currículo de respeito, formação acadêmica espetacular, mas poucos resultados concretos a demonstrar.

O professor Joel Dutra sempre enfatiza em suas aulas na Universidade de São Paulo: competência significa a capacidade de fazer entregas de alto valor e não apenas possuir um estoque de experiências e qualificações. É a partir de uma boa entrega que os bons executivos são conhecidos. Uma boa entrega deve ser perene, agregadora e atingir positivamente até mesmo aquelas pessoas que não irão comprar o produto.

Lucas havia falhado em todos os requisitos de uma boa entrega. Equipe perdida, resistências internas dos seus pares, muito dinheiro gasto sem uma metodologia confiável para avaliar os resultados. Tudo isso ele conseguiria suportar, mas ao receber um recado de Patrícia, pelo whatsapp, no qual ela dizia que achava melhor se mudar para a casa dos pais dela para poder ter algum apoio no final da sua gravidez, isso representou o ponto crítico para Lucas. Então ele tombou. Sim, desmaiou na sua mesa de trabalho, para o espanto de todos a sua volta.

Quando Lucas acordou no pronto socorro de um hospital perto do seu trabalho reconheceu as duas pessoas que estavam com ele na sala de recuperação: Cesar, o rapaz do RH da empresa que o acompanhou na ambulância e Orlando, um dos únicos executivos que gostavam de Lucas e que se predispôs a acompanhá-lo também.

Orlando era uma pessoa interessante. Trabalhava há muitos anos na empresa e era visto como uma pessoa serena e ponderada. Muito respeitado por todos e sempre pronto para ajudar no que fosse preciso. Poucos sabiam, mas Orlando tinha uma sólida formação acadêmica, tendo estudado Filosofia, Psicologia e Teologia, pois pretendia ingressar na Ordem Franciscana, fato que acabou não ocorrendo.

Lucas indagou: “O que aconteceu?”

Você surtou”, respondeu Orlando com um leve sorriso na voz.

Minha esposa saiu de casa. Nosso filho vai nascer em alguns dias”, tentou explicar, Lucas.

Puxa, você não está acertando uma, não é, Lucas? Onde você pensa que vai chegar assim, de forma tão estúpida?”, disse Orlando com um tom formal.

O sangue de Lucas esquentou novamente. Quem era aquele executivo acomodado e de meia idade para falar assim com ele? Chamar de estúpido alguém que sempre foi um líder nato e comandou importantes startups? Quando ele ia responder, Orlando continuou.

Seus diplomas e currículo não dizem quem você realmente é, Lucas. Por mais que pense que o mundo corporativo é um campo de batalha, onde somente os melhores sobrevivem, precisa saber que muitas pessoas podem não conseguir chegar ao topo, mas certamente, podem derrubá-lo de lá.”

 “Você me lembra um animal desgovernado, correndo no pasto”, continuou Orlando. “Muita coragem, energia e quase nenhuma inteligência. E quando eu digo inteligência não estou falando da sua erudição, e sim, da capacidade de entender o que move as pessoas e as armadilhas que elas colocam no seu caminho. Sem essa capacidade, você é apenas mais uma besta desgovernada, como muitas que estão por toda parte nas empresas”.

O orgulho de Lucas estava ferido de forma profunda. Talvez se ele tive conhecido o Eneagrama, um instrumento de autoconhecimento bastante difundido nas organizações, entenderia que um Tipo 3, como ele, possui muita dificuldade para aceitar o fracasso e que ao seguir o caminho do Tipo 6, poderia encontrar algumas repostas para sua jornada.

Orlando prosseguiu. “Você precisa ser educado, Lucas. Mas não aquela educação babaca dos MBAs, que forma executivos, como você, a cada dia. Busque a educação que cura e constrói caminhos duradouros. Aquela que permite um momento visionário e que é fundamental para dar liga naquilo que possui um significado maior para a vida das pessoas”.

Lucas não resistiu. “Você vai me indicar algum livro de autoajuda?”, disse ele com sarcasmo.

Não, meu amigo. Mas para começar, sugiro que leia este livro aqui, pois ele foi muito útil quando um câncer quase acabou com a minha vida”. Orlando sacou da sua pasta uma brochura com capa avermelhada.

 “Leia e depois conversaremos. Quem sabe a dor que você está sentindo agora pode representar o Ponto de Mutação em sua vida”. Orlando colocou o livro no armário ao lado da cama de Lucas e foi embora juntamente com Cesar, que tinha ouvido aqueles diálogos com muita atenção.

Lucas sentia que tinha muito a refletir e pessoas queridas a recuperar. Estava curioso para saber o que aquela simplória brochura avermelhada podia transmitir de tão importante para ele.

Mais uma vez, o livro de Angeles Arrien tinha sido escolhido para ajudar outra alma aflita: O Caminho Quádruplo.

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