sexta-feira, 11 de julho de 2014

O javali, o alfaiate e o personal stylist



Existia um reino, perdido nos confins do mundo, governado por um opulento e asqueroso javali. Ele era temido por sua crueldade e forma passional como comandava seu reino. Durante muito tempo as manifestações de descontentamento haviam sido esmagadas uma a uma, mas com o passar dos anos, os súditos começavam a se organizar e articular rebeliões na tentativa de depor o déspota.

Vendo que a situação estava ficando complicada para si, o monarca chamou seu conselheiro, que hoje em dia poderia ser chamado de personal stylist ou consultor de imagem pessoal. Ao explicar sua inquietação para seu confidente, o regente expressou toda sua indignação com o sentimento popular, pois, segundo o rei javali, o povo era bem tratado, recebia proteção contra invasões, fazia festas e cultos religiosos. Além disso, muito pouco era pedido em troca, como uma parte das suas colheitas e demais artefatos produzidos pelos artesãos como forma de tributos.

Ao ouvir atentamente o discurso indignado do monarca, o ilustre consultor tirou da sua cartola de soluções a ideia de criar um plano de melhoria da imagem do soberano, no qual seriam trabalhados aspectos fundamentais para mudar o humor da plebe, como uma repaginada na aparência do rei, campanhas de relações públicas, como o uso de trovadores, que iriam cantar e contar por todo o reino as bravuras e não as bravatas do imperador.

Uma das ações centrais do plano seria um trabalho de personal dressing para o comandante daquela nação e para tal, foi contratado o melhor alfaiate que existia naquela parte do mundo. Ele já havia servido a vários outros monarcas. O artesão da alta costura mostrou os mais finos tecidos e acessórios que exaltariam a nobreza do governante e transmitiriam aos súditos uma imagem clean, repleta de magnitude do seu líder supremo. Músicas e histórias também foram escritas, grupos mambembes foram treinados para dramatizar os feitos do soberano. Uma boa parte do tesouro real foi investida na empreitada.

Após três meses de uma intensiva campanha de melhoria da imagem real foi possível notar que as críticas e rebeliões aumentaram e as apresentações dos trovadores e atores eram satirizadas aos quatro cantos do reino. A nova imagem do rei, marcada pelos novos e suntuosos trajes também era ridicularizada pelo gosto duvidoso das peças e pelos gastos vultosos que poderiam ter sido revertidos em redução dos tributos, segundo a opinião pública daquela comunidade.

A ira real intensificou-se após aquela derrocada. Como seria possível tolerar tamanha ingratidão? Apesar dos esforços reais, a população continuava a criticar e reivindicar melhorias nas suas vidas! Cansado dos esforços em vão, o monarca comandou ações duras de repressão. Pessoas foram presas, outras expulsas do reino e os tributos tiveram que ser majorados para cobrir o rombo nas finanças reais.

Como ação máxima, o conselheiro real convenceu o monarca a condenar o alfaiate à morte por decapitação, pois o seu mau gosto havia ridicularizado o soberano e colocado tudo a perder.

Ao ser conduzido ao seu triste destino, o desafortunado profissional indagou ao conselheiro:

- Por que fui o único culpado pelo fracasso da nobre tarefa de melhorar a imagem real, senhor conselheiro?

De forma solene e passando uma superior impressão de sapiência, nosso personal stylist explicou de forma branda e serena:

- Porque, meu distinto alfaiate, para você ficou a tarefa de mostrar uma imagem nobre e de estadista do nosso líder maior. Eu sabia que o resultado seria pífio, pois os motivos reais da insatisfação do povo não foram tocados. Se eu tivesse proposto mudanças “reais” e estruturais, teria que deixar explícita a miopia do nosso monarca e que ele não consegue enxergar o que realmente seus súditos conclamam.

- E o que eles conclamam? Indagou o pobre condenado.

- Nosso povo quer participar das decisões, justiça e coerência no uso das verbas reais, além de crescimento pessoal e espiritual.

- Mas isso não pode ser mudado com uma campanha de imagem! Indignou-se o alfaiate.

- Sim, meu caro, mas quando ele perceber isso, também não terá mais a cabeça sobre seus ombros...

 Imagem é tudo?





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